DEFINIÇÃO

A cinematografia brasileira do final dos anos 1950 até a redemocratização, seus movimentos e o contexto histórico em que estão inseridos.

PROPÓSITO

Reconhecer os principais movimentos artísticos e aspectos políticos da atividade cinematográfica, identificando os filmes conforme a sua época, tendências narrativas e estéticas.

O CINEMA NOVO, MARGINAL E EXPERIMENTAL, E OS ANOS EMBRAFILME (1955-1980)

Neste vídeo, o especialista Pedro Salomão faz uma breve introdução ao tema, indicando o que será visto ao longo do conteúdo.

A primeira fase do Cinema Novo (1955-1963)

De Rio, 40 Graus a Deus e o Diabo na Terra do Sol: do Neorrealismo e do cinema-verdade ao transe barroco

Ao final da década de 1950, o mundo se agitava com os processos de descolonização asiático e africano, a disputa ideológica da Guerra Fria e a revolução cubana. Por aqui, nas salas de cinema do Brasil, o público se entretinha com os épicos da Companhia Cinematográfica Vera Cruz ou as comédias musicais da Atlântida. Um cinema popular e com forte influência hollywoodiana, na tentativa de imitar a produção industrial norte-americana e no prazer em parodiá-la.

Nesse contexto, um grupo de jovens se reunia disposto a pensar e a fazer filmes diferentes. Eles estavam imbuídos do espírito revolucionário da época e se sentiam capazes de mudar o curso da história. Assim, nasceu um dos movimentos mais instigantes da cinematografia mundial – o Cinema Novo.

O delírio virou realidade em um conjunto de películas que tentavam sensibilizar o público para os problemas da nação. Era um cinema grandioso nas ideias e simples na execução, influenciado pelos cinemas novos de outros países.

Em especial, o Neorrealismo italiano de Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti, e a Nouvelle Vague francesa de François Truffaut e Jean-Luc Godard.

Ambos os movimentos levavam a câmera para a rua, fora dos estúdios, usando locações reais e atores não profissionais para contarem as suas histórias.


A juventude cinemanovista acreditava no cinema como arma ideológica para lutar contra o empobrecimento intelectual da população.


Para isso, os jovens realizadores aproximavam a arte da realidade com recursos mínimos. Esse ideário fundamental se manteve ao longo de todo o movimento, mas para uma compreensão melhor, podemos dividir o Cinema Novo em fases. 

A primeira fase (1960 a 1964) aconteceu antes que a ditadura militar se instaurasse e representa bem o esforço de mostrar o cotidiano das periferias urbanas e do sertão.

As temáticas sociais procuravam falar da fome, violência, alienação religiosa e exploração econômica.

Impossível deixar de mencionar o nome do cineasta Glauber Rocha, um ícone do movimento. Partiram dele uma frase e uma expressão clássicas do período: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça e estética da fome.


Você sabia

A frase perpetuou o mito do improviso, transmitindo a mensagem de que Glauber ou seus colegas realizadores partiam para a filmagem apenas com um conceito em mente, sem planejamento, o que não é verdade.


Também nos leva a uma conclusão de aproximação da ficção cinemanovista com o documentário, particularmente, o cinema-verdade do antropólogo francês Jean Rouch. Na prática, a invenção das câmeras portáteis e de um gravador leve davam ao documentarista maior liberdade de movimento.

A câmera se tornava uma extensão das mãos do fotógrafo. Essa possibilidade marcou a linguagem do Cinema Novo, que buscava por figuras do povo – o trabalhador urbano, o morador das comunidades, o camponês, o pescador.

Sobre a expressão estética da fome, Glauber acreditava que o homem latino-americano precisava denunciar a sua condição de miserável e reagir a ela de maneira contundente, violenta, inclusive. O diretor e muitos colegas eram fãs do soviético Serguei Eisenstein (1898-1948) e sua obra-prima O Encouraçado Potemkin (1925), o clássico do cinema mudo sobre uma revolta de marinheiros oprimidos.

Leia as palavras do próprio Glauber Rocha no manifesto Uma Estética da Fome, de 1965, que se tornou uma espécie de estatuto do movimento.

Sabemos nós – que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto – que a fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e que os remendos do tecnicolor não escondem, mais agravam seus tumores. Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência.

(ROCHA, 1965)

Passe o mouse na imagem. Objeto com interação.

Os cinemanovistas brasileiros também eram leitores da publicação francesa Cahiers du Cinéma, onde se propagava a teoria do autor da Nouvelle Vague . O conceito aproximava simbolicamente a câmera de uma caneta, ou seja, o cineasta deveria usar a sua câmera como se fosse uma caneta. Estamos falando aqui no esforço particular do realizador em imprimir uma assinatura, uma autoria em cada obra.

Nouvelle Vague

A Nouvelle Vague foi um movimento artístico do cinema francês que se insere no movimento contestatório próprio dos anos sessenta.

Agora que conversamos a respeito da diversidade de pontos de vista, fica o convite para conhecer melhor as obras emblemáticas dessa primeira fase do Cinema Novo:

Rio 40 Graus

De 1955, é considerada a obra inspiradora do movimento. O seu roteirista e diretor, Nelson Pereira dos Santos, mais velho e experiente do que os colegas, foi um mentor do grupo. A história acompanha um domingo na vida de cinco garotos, moradores de comunidade, que vendem amendoim sob o sol escaldante.

Vidas Secas

De 1963, também de Nelson Pereira dos Santos, segue uma família de retirantes fugindo da seca no sertão nordestino. A luz estourada faz o espectador sentir o calor sertanejo só de olhar para a fotografia, assinada por Luiz Carlos Barreto.

Deus e o Diabo na Terra do Sol

De 1964, levou Glauber Rocha a ser indicado a Palma de Ouro do Festival de Cannes, na França. O cineasta surpreende com uma interpretação teatralizada dos mitos do cangaço. Um estilo pulsante, exagerado, barroco, que ele revisitaria nos clássicos Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969).

Assim, formava-se no Brasil uma geração de realizadores dedicada à crítica, à teoria cinematográfica e às produções engajadas que ultrapassaram as nossas fronteiras.


Correções de rumo e irrupções sob o regime militar (1964-1970)

A segunda fase do Cinema Novo

Esta fase coincide com a deposição do presidente João Goulart e a instauração do governo militar. O recrudescimento do período político com censura e repressão, impactaram na crítica ácida e certeira dos filmes anteriores. Ao mesmo tempo, o movimento falhou no diálogo com o público, apesar do sucesso junto à crítica. 

Artistas protestam contra a Ditadura Militar - Tônia Carreiro, Eva Wilma, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker.

Para refazer os laços com o espectador, parte dos cineastas se afastou da estética da fome. A vida e os conflitos da classe média viraram tema de uma série de filmes, que procuravam atrair o interesse das massas com um apuro técnico maior.

Garota de Ipanema

De 1968, dirigido por Leon Hirszman, foi o primeiro longa-metragem cinemanovista rodado em cores e retratando personagens da classe média urbana.

Terra em transe

Em 1967, Glauber Rocha, vai na contramão, insistindo em um cinema engajado e alegórico sobre a situação política brasileira no regime militar. O filme foi taxado de subversivo e censurado por representar uma república governada por um tecnocrata conservador.

Macunaíma

De 1969, de Joaquim Pedro de Andrade, inspira-se no romance de Mário de Andrade e reconta a trajetória do anti-herói nacional que acaba devorado pelo sistema.

Nos seus últimos anos, o Cinema Novo adotou uma postura crítica ao nacionalismo ufanista e se aproximou do tropicalismo, exagerado colorido, incorporando a aversão radical à cultura estrangeira.

Nesse período, a censura apertou sua perseguição aos opositores do regime militar. Glauber Rocha partiu para o exílio, onde continuou realizando os seus filmes. O Cinema Novo saía de cena, mas sem deixar de influenciar as obras contraculturais seguintes.


Cinema Marginal e o Popular

O Cinema Marginal manteve o caráter contestador do Cinema Novo à sua maneira.

Aqueles personagens marginalizados, típicos do início do Cinema Novo, voltavam em películas de uma estética suja, que não era mais a da fome, mas sim a estética do lixo.

O baixo orçamento e a visão anti-industrial já faziam a cabeça dos cinemanovistas, mas, no caso dos marginais, isso era interpretado literalmente. 

Por outro lado, eles abraçavam o cinema de gêneros de Hollywood, desconstruindo-os a seu modo até ficarem quase irreconhecíveis. Tudo era absorvido e reelaborado sob o olhar da paródia e da carnavalização para representar o dia a dia dos excluídos. 

Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba.

O Bandido da Luz Vermelha, 1968


Atenção

O Cinema Marginal também é frequentemente associado ao cinema underground norte-americano. Porém, a comparação era rejeitada por vários realizadores, o que fez surgir outras expressões.


Glauber Rocha aportuguesou o termo para udigrudi. Cosme Alves Neto, então diretor da Cinemateca do MAM, onde as obras eram exibidas, falava em Cinema Marginalizado. Jairo Ferreira, crítico e cineasta, preferia Cinema de Invenção


Podemos dizer que tudo começou a partir de dois filmes rodados no polo cinematográfico da Boca do Lixo, em São Paulo, ao final dos anos 1960.


Vamos falar um pouquinho deles:

A Margem

De 1967, de Ozualdo Candeias, acompanha quatro personagens à beira de um rio. Candeias impressiona pela ousadia dos 50 minutos iniciais, captados em câmera subjetiva, em que o público tem o ponto de vista de cada personagem.

O Bandido da Luz Vermelha

De 1968, de Rogério Sganzerla, faz uma colagem de referências para narrar a história do famoso marginal paulista que aterroriza a sociedade. Logo nos créditos iniciais, a mídia é tratada com deboche através de uma narração sensacionalista.

Depois dessas películas, outros diretores lançaram as suas obras, trilhando a mesma proposta estética subversiva, como Neville de Almeida, Andrea Tonacci, João Batista de Andrade, Júlio Bressane, entre outros.

Matou a Família e Foi ao Cinema

De 1969, de Júlio Bressane, ficou poucos dias em cartaz até a censura. Várias narrativas se intercalam, entre elas a de um rapaz da classe média baixa carioca que assassina os pais a punhaladas e depois vai a uma sala de exibição para assistir a Perdidos de Amor.

O Cinema Marginal se consolidou com a fundação da produtora Bel-Air, por Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e a atriz Helena Ignez. A empresa durou pouco tempo, realizou sete filmes e viu o seu fim com a perseguição política de agentes da ditadura a Bressane e Sganzerla.

As câmeras Super-8 possibilitavam um cinema quase caseiro, alimentando a cena underground com filmes experimentais, realizados por outros artistas. Hélio Oiticica, Lygia Pape e Carlos Vergara, além de compositores como Jorge Mautner, Jards Macalé e Waly Salomão se tornaram superoitistas experimentais. 

O udigrudi pode ser considerado um cinema experimental em sentido amplo, por se contrapor às práticas do cinema comercial, exigindo uma outra espectatorialidade, menos passiva e mais reflexiva diante das obras. Entretanto, o filme experimental existe independentemente das vanguardas e não precisa se filiar a um movimento ou tendência artística.

O Cinema Marginal e o experimentalismo da época deram um frescor à nossa cinematografia, quando o Cinema Novo apagava as luzes e a política para o setor se modificava, com a entrada em cena da Empresa Brasileira de Filmes.


O apogeu da Embrafilme e o reconhecimento da função estratégica da atividade cinematográfica

O período mais repressivo do regime militar coincide com a instalação de uma empresa estatal sólida ligada à atividade cinematográfica.

No ano de 1969, a junta de ministros militares no poder criou a Embrafilme, que cumpriria um papel estratégico. As duas décadas seguintes buscariam romper com o aspecto artesanal das realizações cinemanovista ou marginal e superar a sazonalidade histórica da nossa cinematografia.

A Empresa Brasileira de Filmes S/A representou uma tentativa do Estado de interferir no setor e ocupar esse mercado, que estava praticamente dominado pelo produto estrangeiro.

Por meio do envolvimento na produção, distribuição e exibição, o poder público alimentava o sonho de desenvolvimento de uma indústria cinematográfica brasileira.


Porém, antes de falar da Embrafilme, é importante resgatar alguns marcos da política do Estado brasileiro para o cinema.


1937-1945

Essa história começou a ser contada no Estado Novo (1937-1945), com a implantação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), em 1936. A ideia era incentivar o uso do cinema no processo de ensino, voltado à educação popular.


1950

Mais tarde, já durante o governo democrático de Getúlio Vargas, no início da década de 1950, tramitou no Congresso o projeto do Instituto Nacional de Cinema (INC).


1966

A iniciativa da comissão liderada pelo realizador Alberto Cavalcanti levantou muitos debates, mas a fundação do INC aconteceu apenas em 1966. O órgão trabalhava para promover e estimular o cinema nacional, formulando a política governamental do setor.


1969

A Embrafilme, conforme dissemos, foi criada em 1969, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura, como um braço do Instituto Nacional do Cinema (INC). Aos poucos, os recursos do INC foram transferidos para ela, assim como as funções, que foram sendo absorvidas.


1970

Os objetivos da Embrafilme eram divulgar os filmes no cenário internacional, promovendo mostras e apresentando as nossas obras em festivais. Entretanto, não demorou para a empresa se ocupar do financiamento, da coprodução e, em meados dos anos 1970, também se tornar distribuidora. De maneira geral, podia exercer atividades comerciais ou industriais relacionadas com o objeto principal de sua atividade.


O projeto do governo militar era o de um cinema financiado pelo Estado, que exaltasse os valores nacionais, fosse popular e mercadologicamente competitivo.


Resta a pergunta se a Embrafilme conseguiu atingir os seus objetivos. Em grande parte, podemos dizer que sim. Observe a seguir:

A empresa exerceu papel central nas décadas de 1970 e 1980, época em que lançava anualmente, em média, 25 filmes.

Um parâmetro do sucesso da empreitada era o público do cinema brasileiro, que chegou a ocupar mais de 35% do mercado local.

A média de pessoas que assistiam a filmes nacionais também conseguiu ultrapassar o número de pessoas que assistiam a filmes estrangeiros.


Observe no gráfico a seguir a fatia de mercado do filme brasileiro conforme dados compilados pela Filme B:

Market share do filme brasileiro (%).

Note que os números cobrem um período que se estende dos anos 1970 até a retomada da produção, na década de 1990. O melhor momento claramente aconteceu na apelidada Era de Ouro, com atuação significativa da Embrafilme. A extinção da empresa praticamente zerou o lançamento de filmes nacionais, limitados a três, em 1993.


A diversidade produtiva do período e as relações da Embrafilme com a classe artística antes e depois da abertura política

Uma das formas do governo militar se legitimar no poder era por meio de um discurso nacionalista, e o cinema servia a esse propósito. O Plano Nacional de Cultura (PNC), criado pelo governo militar, buscava uma dupla aproximação com a sociedade e os profissionais da área. As produções que abordassem a cultura ou resgatassem o passado histórico do país eram fortemente apoiadas com verbas públicas.

O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro

De 1969, foi uma das obras pioneiras da empresa e o primeiro longa de ficção em cores de Glauber Rocha.

Dona Flor e Seus Dois Maridos

De 1978, de Bruno Barreto, tornou-se um símbolo dos anos Embrafilme e levou mais de dez milhões de pessoas às salas de exibição.

Xica da Silva

De 1972, de Cacá Diegues, ajudou a popularizar a imagem da famosa escrava, que roubou o coração de um comendador.

Bye, Bye Brasil

De 1980, de Cacá Diegues, é um road movie clássico do cinema brasileiro e acompanha a Caravana Rolidei fazendo espetáculos para a população humilde no interior do país.

No período de redemocratização, durante o governo José Sarney (1985-1990), o Plano Nacional de Cultura (PNC) sofreu mudanças.

Permitiu-se maior entrada da iniciativa privada nos investimentos e o Estado procurou se limitar ao papel de fomentador cultural.

A Embrafilme passou a destinar 15% do seu capital para atividades não lucrativas, sendo criada a Fundação do Cinema Brasileiro (FCB).

Em 1990, Fernando Collor de Mello assumiu como o primeiro presidente eleito desde a redemocratização. O Brasil vivia um período econômico conturbado e, ainda recém-empossado, Collor anunciou medidas que incluíram a redução da máquina administrativa com a extinção ou fusão de ministérios e órgãos públicos.

O secretário da Cultura, Ipojuca Pontes, agiu no sentido de desobrigar o Estado dos negócios cinematográficos. À época, parte significativa da opinião pública, da Imprensa e da classe artística apoiaram as ações que apontavam para o fim da reserva de mercado e do nacionalismo protecionista.

Outros fatores que ajudaram a explicar o declínio foram a crise do petróleo e consequente queda no investimento estatal. Também pesou o progresso técnico e artístico do cinema norte-americano, que avançava agressivamente sobre os mercados latinos.

A extinção da Embrafilme impactou fortemente o tripé da indústria cinematográfica nacional. Os canais de produção, distribuição e exibição praticamente acabaram. Mas os efeitos não se restringiram a eles, atingindo também a regulamentação do setor.

Sem mecanismos de fomento, a atividade cinematográfica seria retomada após uma reorganização das políticas culturais no governo Itamar Franco, no início da década de 1990. A classe artística se movimentou para cobrar do poder público ações concretas que recobrasse o vigor da produção cultural. Novas legislações foram, enfim, criadas em reposta às demandas.

Passe o mouse na imagem. Objeto com interação.
Arraste para os lados. Arraste para os lados.

Verificando o aprendizado

ATENÇÃO!

Para desbloquear o próximo módulo, é necessário que você responda corretamente a uma das seguintes questões:

O conteúdo ainda não acabou.

Clique aqui e retorne para saber como desbloquear.

Podcast